Quando era tenente aviador, no início da carreira operacional, fui designado para voar o helicóptero UH-1H (Bell versão militar – aqueles mesmos voados na guerra do Vietnã).
Toda aeronave tem assinaturas: visual, térmica e acústica. A do UH-1H, o HUEY, tinha um peculiar “batido de pá" no ar. Essa era a sua inconfundível assinatura acústica.
Quando fiz um curso de segurança de voo e investigação de acidentes aeronáuticos no Fort Rucker, no estado do Alabama, USA, em 1983, a maioria de meus instrutores era composta de pilotos veteranos da guerra do Vietnã. Lembro que o mais velho dentre eles me alertava: “Aprenda a ouvir o HUEY!”
Todos, sem exceção, tínhamos muita confiança no HUEY por ser de fácil manutenção, previsível e muito resistente. Operávamos com ele, no calor da mais de 50 graus na selva amazônica ou a baixas temperaturas no Morro da Igreja (RJ) e ele nunca falhou.
Quando treinávamos em operações militares junto à tropa terrestre esperávamos o resgate noturno e, via de regra, algum dos helicópteros falhavam o que não era incomum, por causa disso, pernoitávamos no meio do mato. Muito pelo contrário, quando o HUEY estava em operação ele "virava 24 horas sem bater o pino”. Era a nossa expressão para homenagear aquela singela, mas grande máquina. Sempre tínhamos a certeza do resgate e um sono na sede.
Uma outra e diferente forma da assinar e que muito me marcou no início da carreira foi a de um militar graduado, o Suboficial Meta, líder dos supervisores de manutenção. Austero, circunspecto, metódico e muito resiliente frente aos mais diversos óbices. Ainda assim, as restrições de recursos que não o impediam de entregar seu "produto” com altíssimo grau de eficiência e de produtividade.
Ele progrediu na carreira e angariou admiração, respeito e reconhecimento em função de sua aplicação e seriedade na execução de qualquer atividade que lhe fosse confiada. Com tenacidade e resiliência frente aos mais diversos tipos de adversidades ele sempre concluía suas atividades com elevados índices de produtividade e de eficiência.
Seu local de trabalho sempre estava organizado. Catalogava e registrava com rigor e riqueza de detalhes todas as inspeções nos três tipos de aeronaves que operávamos: Os quatro helicópteros HUEY, dois aviões de asa baixa, o Sêneca e quatro de asas altas, o Regente.
Sempre disponível para ensinar e orientar, fazia questão de servir os demais, sobretudo os mais novos, com seus profundos conhecimentos.
Quando sabíamos de sua presença nas operações militares fora de sede, via de regra em ambientes inóspitos, com severas adversidades no terreno e no clima, via de regra muito úmido quando não chuvoso, tínhamos duas certezas: A primeira era a do risco que estaria nos rondando ao longo de toda a operação militar, prejudicando os trabalhos de manutenção daquelas aeronaves. A segunda certeza advinha da tranquilidade e da segurança que sentíamos quando víamos a rubrica, a assinatura abreviada, do Suboficial Meta ao fim dos relatórios. Essa segurança era fruto de sua liderança, influência, resiliência e qualidade de seu trabalho frente às equipes de manutenção daqueles tipos de aeronaves.
Por fim, outro tipo de assinatura era a vocal. Dessa vez refiro-me ao Suboficial Solon que era supervisor dos jovens controladores de tráfego aéreo no Controle de Aproximação da Área Terminal de São Paulo, que abrangia quatro principais aeroportos, dois internacionais, o da cidade de Campinas e o Internacional de Guarulhos. Por outro lado, o discreto aeroporto de São José dos Campos e o sempre tumultuado aeroporto doméstico de Congonhas.
Lembro que em dias de chuva intensa na capital paulista, havia uma longa sequência de aeronaves para pouso advindas de Brasília, do Rio de Janeiro e de Curitiba, todas aguardando serem vetoradas para pouso sob severas restrições de visibilidade, sobretudo em período noturno. Também havia uma longa fila de aeronaves para decolagens nos dois aeroportos da capital, o internacional e o doméstico.
Era comum, e natural devido às circunstâncias, que os controladores falassem rápido, em tom de voz alto demonstrando, por vezes, o estresse que aquela ambiência impunha a todos. A responsabilidade da manutenção da segurança dos voos em meio aquela diversidade de aeronaves, tipos e velocidades distintos também recaía sobre eles, além dos pilotos e tripulantes.
Quando trocávamos a frequência de comunicações ao entrar na “terminal” de São Paulo, aguardávamos até identificar a maior quantidade de aeronaves no ar naquele momento. Era para se ter uma ideia do tumulto e do estresse que logo logo passaríamos.
O alívio e a segurança que sentíamos advinha da voz bonita, grave, pausada e segura do Suboficial Solón. Sempre nos saudando com um "Boa noite Força Aérea”, Boa noite “Marília" (aeronaves da TAM), “Boa noite “Brasil” (aeronaves da Transbrasil –hoje extinta), etc.
Sua calma, serenidade e segurança eram sua assinatura que nos orientava, de forma segura, na vetoração radar até avistarmos a bela e colorida cabeceira do aeroporto de Congonhas quando, então, completava: “Força Aérea 2128, troque agora para a frequência 118.1 da Torre Congonhas. Bom pouso, boa noite!”
Esses breves exemplos tive muita sorte de vivenciar ao longo da carreira. Eles muito agregaram valor ao meu modo de ser como pessoa, piloto e profissional.
As assinaturas do ruído acústico do HUEY, a postura profissional do Sub Meta e o tom do voz do Sub Solón eram suas marcas registradas, seus DNA que nos imprimia e passava confiabilidade, circunspecção, seriedade, resiliência e competência.
Confesso que, por mais de trinta anos de carreira, esforcei-me diariamente para tentar chegar perto do exemplo que eles me brindaram.
E quanto a você que me lê agora?
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